terça-feira, 4 de março de 2014

O pavor cega

Por João Paulo da Silva

A violência urbana tem causas sociais profundas. Ela não dá em árvore. Ninguém nasce bandido. Assaltos, agressões e homicídios aterrorizam as pessoas, é verdade. A revolta é compreensível e justa. Mas é impossível discutir uma solução para o problema sem questionar o modelo de sociedade que temos. Uma pergunta inescapável: aonde poderia nos levar uma sociedade cuja natureza é gerar exclusão social, miséria e a mais absoluta desassistência dos direitos mais básicos?

A violência urbana, em geral, é uma espécie de subproduto dessas tragédias sociais. É o atestado de óbito do capitalismo como possibilidade de vida para os seres humanos. Sem resolver a falta do pão, do teto, da sala de aula, do posto de saúde e da perspectiva de futuro, a criminalidade continuará a ser um fantasma à espreita. Entretanto, na hora do assalto ou do homicídio, ninguém pensa nisso. O pavor cega. E, parafraseando o Goya, a cegueira da razão produz monstros.

Apavorados, somos presas fáceis. Governos e imprensa fazem a histeria, e o pânico generalizado alimenta a sanha de ideologias fascistas. “Bandido bom é bandido morto”, “Ladrão tem mais é que morrer mesmo.”, dizem programas policialescos, âncoras do telejornalismo e políticos da pior laia. Usam a crueldade de alguns crimes como combustível para insuflar o ódio. Aproveitam-se do medo das principais vítimas da violência, os pobres, para incentivar o fascismo contra os desvalidos.

Não se trata de “adote um bandido”, como a direita adora caluniar. Mesmo porque quem mais gosta da impunidade é a própria direita. Não é à toa que ainda não vimos Sheherazades e Datenas sugerirem a formação de grupos de “justiceiros” para pegarem, por exemplo, o Sarney, o Maluf e o Collor na saída do Congresso. Parece que a regra só vale para negros, pobres e adolescentes que roubam turistas em praias. A justiça dos fascistas é bastante seletiva, não se aplica a todos.

Combater a barbárie de todos os dias com mais barbárie não nos levará para frente. É uma marcha à ré. Quando as pessoas que mais sofrem com a violência transformam em realidade, ainda que inconscientemente, o discurso do “bandido bom é bandido morto”, estão, na verdade, dando respaldo para que o estado faça o mesmo. E esta é uma sociedade de classes, de opressores e oprimidos, de exploradores e explorados. E os oprimidos e explorados não são o estado.

Surras em postes não ressocializam ninguém. Apenas recarregam as armas que, mais cedo ou mais tarde, serão apontadas para as próprias cabeças das maiores vítimas da criminalidade. Afinal, a polícia, o braço armado do estado, quando invade favelas, sobe morros ou entra nas periferias, não vai atrás de brancos e ricos. Os alvos são negros e pobres. E aí pouco importa se são bandidos ou não. Nas classes altas, as vítimas da violência são tragédias. Nas baixas, são só estatísticas.

Mais repressão policial por si só não resolve o problema. Do contrário, cidades brasileiras não estariam entre as mais violentas do mundo. Não se pode ficar eternamente numa luta inútil contra os galhos. As pessoas precisam de proteção, é verdade. Mas as raízes são imprescindíveis para as soluções. Este estado não pode proteger a população de baixo; está ocupado demais protegendo os bandidos de cima. Exatamente os que criam ou mantém as condições sociais para a violência.

Qualquer mudança deve começar por aqui... o resto é fraseologia de direita.

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